Beterraba Leitora: Sansa V

A Fúria dos Reis

Victor
11 min readJan 27, 2023
Ilustração em tons de verde de uma cidade medieval vista de baixo, com casas e um castelo ao fundo. No centro, atravessando o arco de um portão, alguém que parece ser Tyrion Lannister anda com o auxílio de uma bengala
Capa de A Fúria dos Reis

Hodor!

Boa tarde, Beterraba! Hoje teremos um capítulo curtinho, Sansa V, o primeiro capítulo da Batalha da Água Negra.

Sansa está rezando pela vitória dos sitiados em Porto Real. Ela se despede de Joffrey e Tyrion, indo ao Salão de Baile da Rainha, juntar-se às mulheres bem-nascidas da cidade.

Conteúdo & Discussão

O capítulo em si, tem apenas 5 páginas e olhe lá (tanto que temos só 2 partes, ao invés das 3 que normalmente divido os capítulos). Mas, como já estamos carecas de saber, muito do que se passa é na cabeça de Sansa, o que nos dá algumas descrições poéticas, além de acesso às impressões únicas que ela tem das pessoas e do que acontece à sua volta.

Um detalhe que vale a pena ser ressaltado desde cedo é o fato da Batalha da Água Negra já estar em andamento (veremos mais detalhadamente abaixo).

Rezando no Septo

Começamos o capítulo com Sansa nos contando como estão os ares de Porto Real. Ela tem uma toada poética em seus capítulos que chega bem próxima dos capítulos de Cat (tal mãe, tal filha).

Ela estava cantando no septo (provavelmente aquelas novenas da Fé do Sete que mal temos ideia de como devem ser) desde aquela manhã, quando notícias de velas inimigas foram avistadas das muralhas.

Há uma citação da Sansa que reflete bem os ares da cidade e dos combatentes: “No septo cantas pela misericórdia da Mãe, mas nas muralhas é ao Guerreiro que oram, e todos em silêncio” (01, p. 523).

Ali, no pátio do castelo, os homens nobres estavam se preparando para a partir. Ela vê Sor Meryn Trant segurando o cavalo para Joffrey, e a menina descreve que tanto o cavalo quanto o rei estão vestidos em ouro e carmesim, “Brilhante, reluzente e vazio (01, p. 523).

A descrição de Tyrion é mais cômica: ela o compara com um menino que vestia o equipamento de batalha do pai, meio deslocado sobre o garanhão que montava, embora o machado que ele levava não ajudasse a compor toda a imagem de comicidade.

A Mão cita que Cersei devia ter mandado Sansa ir à sua companhia, e ela responde que está ali por conta do pedido do rei para despedir-se dele. Além dela também pretender rezar no septo.

Há mais uma piadinha de Tyrion quando ele diz que não perguntará por quem ela vai rezar, logo emendando um comentário interessante: ele se arrependia de tê-la deixado lá em Porto Real, ao invés de desaparecer com ela como fez com Tommem. Mas Maegor terá de servir.

Joffrey então grita por ela, chamando-a como se fosse um cachorro (Cuzão Alert), algo que ela pensa, e dá pra sentir a amargura dela. O diálogo dos dois é muito interessante (a passagem é grande, mas tem uns detalhes interessantes):

— Haverá uma batalha em breve, é o que todos dizem.

— Que os deuses tenham misericórdia por todos nós.

— Meu tio é quem precisará de misericórdia, mas não lhe darei nenhuma — Joffrey puxou a espada. O botão era um rubi esculpido como um coração, incrustado entre das mandíbulas de um leão. Três sulcos estavam profundamente entalhados na lâmina. — Minha nova lâmina, Devoradora de Corações.

Sansa recordou que ele um dia possuíra uma espada chamada Dente de Leão. Arya a tirara dele e a jogara em um rio. Espero que Stannis faça o mesmo com esta.

— Está lindamente trabalhada, Vossa Graça.

— Abençoe meu aço com um beijo — abaixou a lâmina até ela. — Vá lá, beije-a.

Nunca tinha soado tanto como um garotinho estúpido. Sansa encostou os lábios no metal, pensando que preferiria beijar tantas espadas quantas fosse preciso a beijar Joffrey. Mas o gesto pareceu agradar-lhe. Embainhou a lâmina com um floreio.

— Vai beijá-la de novo quando eu voltar, e vai saborear o sangue do meu tio.

Só se algum dos membros da Guarda Real matá-lo por você. Três das Espadas Brancas iriam com Joffrey e com o tio: Sor Meryn, Sor Mandon e Sor Osmund Kettleblack.

— Vai liderar seus cavaleiros na batalha? — Sansa perguntou, esperançosa.

— Eu queria, mas meu tio, o Duende, diz que meu tio Stannis nunca atravessará o rio. Mas comandarei das Três Rameiras. Tratarei pessoalmente dos traidores — a perspectiva fazia Joff sorrir. Seus gordos lábios cor-de-rosa faziam-no sempre parecer mal-humorado. Sansa gostava disso antes, mas agora a enchia de náuseas.

— Dizem que meu irmão Robb vai sempre para o centro das lutas — ela disse, com ousadia. — Embora seja mais velho do que Vossa Graça, com certeza. Um homem-feito.

Aquilo fez Joffrey franzir o cenho:

— Lidarei com o seu irmão depois que acabar com o traidor do meu tio. Vou estripá-lo com a Devoradora de Corações, você verá — virou o cavalo e o esporeou na direção do portão. (01, p. 523–524)

Bom, levantemos o que importa aí em cima.

Primeiro: Sansa esconde muito bem do prometido em casamento que o odeia com todas as forças. As passagens onde ela espera que Stannis jogue a espada nova na Torrente da Água Negra, a dúvida que a espada dele estará com o sangue de Stannis por mérito próprio, além de chamá-lo de garotinho estúpido e achar nauseante seus lábios, já mostra como que a convivência com essa praga dos sete infernos mudou como ela o vê.

Segundo: Joffrey tem uma necessidade quase patológica de contar vantagem sobre tudo, como se fosse ele quem fizesse todas as coisas (seria o mesmo que um chefe que toma dos funcionários o crédito por tudo que fazem na empresa, sendo que ele só fica sentado na cadeira jogando paciência).

Terceiro: não sei vocês, mas achei a última fala dele, no trecho destacado, muito similar à fala do Torta Quente para a Arya. Lá no comecinho do livro, onde ele tenta cantar de galo para ela (quando ela era o Arry) e dizia ter matado um cara adulto “de tanto chutar o pinto até ficar preto”.

Finalmente, quarto: Sansa usa da masculinidade frágil de Joffrey para instigá-lo a cometer alguma idiotice no campo de batalha; por conta do complexo de inferioridade que ele sente de Robb e por, provavelmente, achar que fofocam dele pelas costas como um rei que não faz nada, só manda os outros lutarem por ele. Algo totalmente contrário ao seu “pai”, o Rei Robert I, seu avô, Lorde Tywin, e seus tios, Lorde Stannis e Sor Jaime (não acho que Lorde Renly caiba aqui de alguma forma).

Infelizmente, não será agora que veremos essa peste passar dessa para melhor.

Deixada em silêncio, Sansa voltou ao septo, agora para rezar.

Lá dentro, ela nota que as sete imagens têm velas em quantidades distintas. A Mãe e o Guerreiro eram os altares que mais têm velas, “nadavam em luz” (p. 524). Os altares da Velha, do Ferreiro, da Donzela e do Pai tinham uma boa cota de velas também, e até mesmo algumas acesas para o Estranho.

Feita as cerimônias particulares, Sansa sentou-se num banco, entre uma velha lavadeira muito encarquilhada, e um menininho do tamanho de Rickon.

Um detalhe para o ambiente é quanto ao ar: “quente e pesado, cheirando a incenso e suor, beijado pelos cristais e brilhante das velas; respirá-lo deixava-a tonta” (p. 524). Isto é totalmente crível e real, visto que na região do Oriente Médio, o uso de mirra como incenso é muito difundido. E quando queimado, pode-se ficara “bêbado” com o aroma concentrado, permitindo entrar em um estado alterado de consciência. O septo ainda tinha o agravante de provavelmente estar só com a porta de acesso aberta, sem nem mesmo uma janela para circular bem o ar.

Todos ali começam a cantar o hino à Mãe.

Sansa pensa nas pessoas que vieram aos milhares para o Grande Septo de Baelor, rezar com vozes ouvidas pela cidade. Enquanto isso, ela cantava os hinos que conhecia e tentava seguir os que não conhecia. Ela nos narra que rezou com toda a sorte de pessoas, cantando por misericórdia, tanto pelos vivos quanto pelos mortos, listando uma cabeçada de gente: desde a família e os servos que “eram da família”, como também as pessoas que se preocupavam com ela e os que já morreram quando vieram para o sul e os tantos outros que lutaria hoje.

Surpreendentemente, ela cantou por Tyrion (é até esperado, já que ele parece ser o único Lannister que a trata com decência ali), e pelo Cão de Caça!Ele não é um verdadeiro cavaleiro, mas mesmo assim salvou-me, disse à Mãe. Salve-o se puder e suavize a raiva que tem dentro de si” (p. 525).

O septão veio ao altar e começou a rezar pelo legítimo e nobre rei, e Sansa ficou de pé, precisando se virar como pôde para sair dali antes de terminar a reza por Joffrey.Que sua espada se parta e o escudo se estilhace, pensou Sansa friamente enquanto atravessava as portas à força, que a coragem lhe falte e todos os homens o abandonem” (p. 525). Bem, não sei se os sete ouviram a prece dela, mas parece que praga de Stark pode pegar…

Protegendo-se em Maegor

Enquanto ela se dirige ao Salão da Rainha, ela nota que o castelo está praticamente vazio, deparando-se com a Senhora Tanda, tentando fazer com que Lollys fosse para a segurança de Maegor.

Toda a cena (quase) demora horrores para terminar, com a promessa de comida acalmando mesmo que um pouco Lollys. Inclusive, Shae está aqui (ela está disfarçada de aia de Lollys), e a descrição de Sansa é bem generosa com a moça: “… agarrava-se à aia, uma moça esbelta e bonita com cabelo curto e escuro que parecia não ter desejo maior do que atirar a patroa ao fosso seco…” (p. 526). Por mais que a imagem seja quase engraçada, Sansa tem uma ótima capacidade de leitura das pessoas (embora, neste caso em específico, deva estar muito aparente, conhecendo a Shae).

O caminho até o salão estava guardado por dois mercenários disfarçados de guarda Lannister. Finalmente chegamos ao cômodo. A descrição nos mostra um lugar que é o “ó” do borogodó, com espelhos de prata polida, paneis de madeira esculpida, além das esteiras perfumadas.

Havia, também, pesadas cortinas escuras, impedindo qualquer fio de luz de entrar, além dos barulhos lá de fora. Isto, em especial, será importante para os capítulos onde Sansa narra a Batalha.

Um detalhe histórico: os espelhos eram caríssimos “naquele tempo”. A tecnologia de criar espelhos era muito limitada, sendo geralmente folhas muito bem polidas de algum metal (geralmente prata ou cobre), o que encarecia absurdamente os objetos. Somente quando houve essa facilitação na produção com espelhos de vidro cuja face reflexiva era criada com uma reação química que a produção pôde se tornar industrial.

Ocupando os lugares estavam quase todas as mulheres bem-nascidas, além de um punhado de velhos e meninos. Sansa, por sua posição de prometida do rei, sentaria à direita de Cersei. No caminho para seu lugar, ela nota que Sor Illyn Payne estava ali, empunhando a Gelo.

Ela pergunta de Sor Illyn a Sor Osfryd Kettleblack, novo capitão da guarda de manto vermelho da rainha, que só responde algo como “Cersei espera usar ele”.

E Sansa, perspicaz neste capítulo, pensa: se Sor Illyn é o Magistrado do Rei, de quem é a cabeça que a rainha desejava?

Um servo anuncia a entrada de Cersei, que na ocasião estava vestindo branco puro.

Cersei já começa perguntando se Sansa ainda está menstruando por estar meio pálida (a menina confirma). Cersei acha apropriado: ela sangraria ali enquanto os homens lá fora (isso foi esquisito…). E Sansa aproveita e pergunta de Sor Illyn. A resposta é meio perturbadora:

— Para lidar com a traição, e para nos defender se for necessário. Ele foi um cavaleiro antes de ser carrasco — apontou com a colher para o fundo do salão, onde as altas portas de madeira tinham sido fechadas e trancadas. — Quando os machados arrombarem aquelas portas, poderá ficar contente por ele estar aqui.

Ficaria mais contente se fosse o Cão de Caça, Sansa pensou. Por mais desagradável que Sandor Clegane fosse, não achava que ele deixaria que algum mal lhe acontecesse.

— Seus guardas não nos protegerão?

— E quem nos protegerá dos meus guardas? — a rainha deu a Osfryd um olhar de soslaio. — Mercenários leais são tão raros como rameiras virgens. Se a batalha for perdida, meus guardas tropeçarão naqueles mantos carmesins na pressa de arrancá-los. Roubarão o que puderem e fugirão, com os criados, lavadeiras e cavalariços, todos procurando salvar suas inúteis peles. Tem alguma ideia do que acontece quando uma cidade é saqueada, Sansa? Não, não pode ter, não é? Tudo o que sabe da vida aprendeu com os cantores, e há uma escassez muito grande de boas canções de saque.

— Verdadeiros cavaleiros nunca fariam mal a mulheres e crianças — as palavras soaram-lhe ocas logo no momento em que as proferia.

— Verdeiros cavaleiros — a rainha parecia achar aquilo maravilhosamente divertido. — Não há dúvida de que tem razão. Portanto, por que é que não se limita a comer seu caldo como uma boa menina e esperar que Symeon Olhos de Estrela e o Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão, venham salvá-la, querida? Tenho certeza de que já não faltará muito tempo. (01, p. 527)

Esta passagem mostra mais coisas por debaixo dos panos.

A primeira é quanto ao humor da Cersei. Quando ela está de bom humor, o planeta desfruta da gentileza dela. Mas quando ela contrariada, ou ainda, quando não obtém o que quer… Coitado do infeliz que cruzar o seu caminho. E eu aposto que toda aquela cena do jantar com Tyrion ainda teve uma parte considerável de culpa para ela estar neste humor maravilhoso de um campo de meteoros.

Outra coisa interessante, e bem evidente, é a simpatia que Sansa começa a nutrir pelo Cão. Mesmo que ele seja um cretino de marca maior, um grosso, sem qualquer consideração por ela, ele passa à menina uma sensação de segurança, algo que nenhum cavaleiro ali em Porto Real trouxe a ela.

Por fim, o motivo de Sor Illyn Payne estar ali.

O mais óbvio foi respondido pela rainha: lidar com uma possível traição dos mercenários contratados. E também de um possível rompante dos servos, caso a batalha seja perdida.

Mas, como Sansa mesmo disse, de quem a rainha quereria a cabeça?

E a resposta é uma: dos nobres dali. Todos.

Sabendo que Stannis é, como disse Varys, um homem verdadeiramente justo, sem meias-medidas quando o assunto é a aplicação da lei, Cersei sabe que seria morta. E para ela, morrer pelas mãos de Stannis, exposta como adúltera, traidora do reino, incestuosa com o irmão e mãe de três crianças dessa relação incestuosa, seria o ápice da vergonha.

Mais vale morrer pelas mãos de um carrasco mudo com a espada do odiado inimigo Stark que ser sentenciada pelo cunhado severo.

Momento Ned Pomba

Sem pombadas para este capítulo, é um capítulo muito pé no chão.

Momento Geografia

Nada de novo. Ache Porto Real que você achará onde Sansa está. Se quiser ter uma ideia de onde estão, pode usar o Momento Geografia do capítulo Tyrion IX, onde coloquei um mapa de Porto Real.

Cuzão Alert

Apesar de termos o Joffrey aparecendo e sendo aquela candura de gente que é (#SóQueNão), a única coisa dita por ele que realmente me incomodou foi a forma que chamou a Sansa, como se fosse um cachorro.

Momento Valar Morghulis

Nenhuma morte, continuamos com 145 mortes.

Momento Joffrey

Não teve um momento digno da minha implicância e antipatia.

Momento Dracarys

Os pensamentos de Sansa sobre tudo o que acontece no capítulo são maravilhosos: tanto da parte dramática, poética e narrativa quando a parte cômica, com seus comentários ácidos e quase cruéis com pessoas à sua volta.

Imagem do mascote da coluna, Beterrabita. É o emoji do nerd de óculos e dentuço sorrindo, mas com a parte amarela pintada toscamente no paint num tom vermelho-beterraba e a armação do óculos pintada em tom verde-folha
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Dúvidas, críticas ou sugestões? Então vai lá no grupo do Hodor Cavalo, procura pela #BeterrabaLeitora e faz lá o seu comentário. Dia 03/02 eu farei outra coluna aqui no medium, respondendo as suas questões (se tiverem).

Na próxima Beterraba Leitora (dia 10/02), teremos o capítulo Davos III. Deixamos a segurança de Maegor para ir à batalha de fato!

Hodor!

Referências

01 — MARTIN, George R. R. As Crônicas de Gelo e Fogo: A Fúria dos Reis. Tradutor Jorge Candeias. 13ª reimpressão. São Paulo: Editora Leya, 2011.

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